Maria de Oliveira Dias.

Foto de Dimas Macedo.

MARIA DE OLIVEIRA DIAS.

Fonte: (Extraído do Livro Mangabeira nas artes nas letras no mundo de Dias da Silva).

"Poeta é quem o belo / Sabe encontrar numa farsa / De uma nuvem que esgarça / Nos caracóis de cabelos" (...) "Onde nasce a carnaúba / Foi onde eu nasci também / Na minha terra miúda / a que quero estranho bem"; "Que ninguém se admire / Saber é fonte de luz / Quanto mais se adquire / Mais saber produz". São algumas trovas que dizem o que é o poeta. Da pequenez e simplicidade da terra natal. Da importância do saber. E são tantas: igualmente cheias de gente. De sentimento de gente. De conquistas e de vitórias de gente. De decepções. De amor e de dor. São trovas sentidas, vividas e humanas. Como é agradável a gente ler alguns sonetos e tantas trovas assim marcadas de lições de amor. De lições de sabedoria. De um conteúdo mental tão rico. Dito com tanta simplicidade e tanto lirismo. É: a cada trova, a gente pensa assim: como eu gostaria de haver escrito isto de maneira profunda e tão simples. Está-se falando de Maria de Oliveira Dias. "Tempo vai e tempo volta / Muita gente a afirmar / Mas não há reviravolta: / Tempo não pode voltar". Ah, se, pelo menos, ela pudesse voltar no tempo para poder trazer à gente mais trovas assim. Mais coisas bonitas assim. Ditas assim. MOD já dormiu o sono doce e, quando acordou, já estava lá. Nem precisou de pedir licen-ça para entrar... Porque ela nasceu lá no distante 26 de abril de 1916. É verdade: "Empregou no bem a hora / Do tempo sempre a voar / Porque ele vai embora / Para nunca mais voltar". Por isso viveu intensamente o tempo que lhe foi reservado amando o mundo. Amando as pessoas. Amando as coisas. Dando lições de simplicidade. Espalhando conhecimentos. São José (de Mãe Velha) foi o lugarzinho do nascimento. Para decantar sua terra - "Roubou o brilho do sol / E o perfume das flores / As tintas do arrebol / do pôr-do-sol as cores". Realmente: só com esses ingredientes teria sido possível o desenho da pequena Vila. Pais: Antônio Bernardo de Oliveira e Maria Luiza do Nascimento. O pai morreu-lhe tão cedo. Ficou-lhe a mãe a quem amava profundamente. Era quem a amparava na infância e lhe arrancava os espinhos agudos dos caminhos. Em um verso disse isto: "Como é bom ter mãe assim".
Mãe viúva, MOD teve uma infância pobre. Assim a humildade era o clima dos primeiros anos. Como tantas outras: sem problemas. Sim, porque, na infância, a gente não sabe o que são problemas. A gente não vê pedras nos caminhos. E eles estão cheios de pedras. E de ladeiras. E de empecilhos. Não se tem a consciência das coisas. É-se sempre feliz mesmo sem saber que o é. Maria de Oliveira Dias viveu assim a infância em São José. Na vida da gente, há tanta coisa curiosa e engraçada (tantas outras sem graça nenhuma). O curioso na infância de MOD foi que ela mesma se alfabetizou. Tem um nome bonito pra isso: autodidata. É, aprendeu, sozinha, as letras. A juntar as letras. A dizer os nomes. E a começar a ler. E o gosto pelos estudos se manifestando dentro. Aos oitos anos, um sonho Ihe martelava a mente: ser professora um dia. (Na época era tão importante ser professor. Todos viam autoridade nele. Como uma coisa inatingível.) Maria Oliveira queria ser essa coisa grande que era ser professora. Ela brincava de escola. De escola e de alunos imaginários. De ensinar a ninguém. Ora, a ninguém! Ela já reunia as colegas da infância para brincar de escola. Depois foi parar em escola de verdade. Em sala cheia de alunos. Com professor, com toda majestade chamando o aluno para a lição. Para dizer as casas da tabuada. Para o argumento, com palmatória à mão. Escola de Mestre Paulo. Homem sabido o Mestre Paulo Moreira. Durão e exigente Mestre Paulo. Que aplicava bolo nos alunos descuidados. (Meu pai levou bolo pra chuchu do Mestre Paulo.) A escola ficava em sala da residência dela.
Pelo visto a escola não ficava muito distante... MOD não havia como faltar. De que maneira? Nem que quisesse. Para ela entretanto foi até muito bom. Nenhum aborrecimento. Porque trazia já ardendo no peito interesse pelos estudos. Gostava de livros. Queria aprender. Gostava de saber. Porque para ela "Grande coisa é o saber / Ninguém pode contestar / Dele se pode dizer: / É um trono e um altar". Viver é lutar. MOD combateu o bom combate. Assim, sua vida não deve ser medida pela extensão, senão pela intensidade. Por isso lutou. Venceu batalhas. Perdeu batalhas. Subiu ladeiras. Sofreu na vida. Por si mesma e pelos outros, porque gurdava interesse e amor pelos outros. Decepções... Quem não as teve? É verdadeiro que a vida humana se realiza entre alternativas polares: bem/mal, tensão/relaxacão, felicidade/sofrimento, esperança/ desilusão, companhia/ solidão... Então MOD teve alegrias e teve sonhos: também, tristezas e decepções: "Vou definir a tristeza / Com toda exatidão: /É a maior pobreza /Que há num coração". Na escola de Mestre Paulo, não deparou muitas dificuldades. Tinha vontade nos estudos. Trazia as lições sempre bem preparadas. Aos seis anos, sentia inclinar-se para as letras. Já gostava de ler. Tanto que a leitura Ihe foi tornando vício. E é porque ainda não alcançava a importância da leitura. Não sabia que o que é o exercicio para o corpo é a leitura para a mente. Como repito esse pensamentol Era MOD, a pequena estudante, armazenando conhecimentos e adquirindo formas de materializar idéias, pensamentos, emoções. Sim, porque ler é isto: adquirir idéias e enriquecer o vocabulário. Aos oito anos, fez as primeiras tentativas de escrever um livro. E logo um livro de poesia. Esse desejo não lhe saía da mente azucrinando-lhe a alma. E esta ânsia de escrever aumentou com a leitura de Felisberto de Carvalho. Com o 1° e 2° livros do Dr. Silva Ramos. A poesia "Os Fidalgos da Aldeia" botou-lhe grande entusiasmo no íntimo. Como uma injeção de encorajamento. Estavam nascendo os primeiros versos.
Formou-se pela Escola Normal Santa Tereza de Jesus do Crato. Entre as disciplinas, gostava muito de Lingua Portuguesa. Quem estudava em escola normal fazia-o para ser professor depois. E foi o que Maria de Oiveira Dias foi: professora. Preparou-se para ensinar. Dir-se-ia que por vocação. Na verdade, MOD sentia-se professora por dentro. O magistério botava-lhe admiração na alma. Pois é: lendo romances e poesias, a jovem professora começa a rabiscar sonetos e trovas. A partir dos oito anos. A fazer versos marcados de simplicidade e de lirismo. Versos telúricos e bucólicos. Numa materialização de sentimentos como o amor, escreveu: "Amar é como pimenta: /a gente mal aguenta/ por arder no coração". Como a saudade: "Saudade sim, ora esta/ Há em você, há em mim/ Saudade - aquilo que resta/ Daquilo que teve fim". Como num desapego às coisas e à fama: "Do pranto na correnteza / Minh'alma esta mergulhada/ Mas por que tanta tristeza? / Se na vida tudo é nada". Assim, simplicidade, lirismo, subjetivismo, bucolismo, amor à Terra de nascimento, à pequena São José: "De ti, terra dos meus pais/ não me resta nada mais/ Do que saudosas lembras". E mais: Depois ao mundo gritei /É a maior entre mil / Às outras terras mostrei/ As grandezas do Brasil". Coisas tão simples e tão bem ditas e benditas. Eu já disse: quem não se emociona com o primeiro texto? Como é bom a gente ter o primeiro texto no papel. Agora "a pior coisa para quem escreve é o silêncio do outro". É verdade sim. É um silêncio que machuca. Que arrebenta a gente.
Mas é assim: com o primeiro texto, a gente se sente escritor. Como grande escritor. Porque não é fácil escrever. Duro é este ofício. A redação de um texto é um momento nunca esquecido. Para Maria de Oliveira Dias escrever o primeiro texto foi a realização do sonho longamente acalentado. Também foi a certeza de que podia fazer outros. É tanto que a poesia lhe caia ao depois, espontânea, simples e com graça. Além da vontade de escrever e para tanto preparar-se MOD teve o incentivo de pessoas amigas. João Gonçalves de Sousa foi um dos que mais Ihe deram ânimo. Foi quem a preparou para o exame de admissão, verdadeiro vestibular. Maria de Oliveira Dias, foi, sobretudo, prolessora. Por escolha e pendor. Professora eficiente. Professora gente. Buscando atualizar-se sempre. Criar maneiras de como ensinar. De como tornar a aula mais leve. Mais atraente. De como as crianças pudessem aprender cantando. Recitando. Brincando. Lendo. Dançando. Tinha um princípio básico-pedagógico: tratar o aluno como gente. Só isso diz mais do que todos estes compêndios de pedagogia, feitos pelos gabinetes e laboratórios e publicados aos montes. Diz mais do que todos os planejamentos e métodos discutidos em salas com ar-condicionado e longe da realidade escolar. O aluno, para ela, não era número. Nao era "ei, você ai". Tinha amor à profissão. Queria bem ao outro. E fazia bem o que gostava de fazer. Para que castigo? Para o aluno ficar bem comportado? Para aprender? Como é que se obriga alguém a aprender? Como unificar pessoas tão diferentes? O tempo - eu já disse que a gente é que passa - passava rápido na sala de aula. Porque MOD gostava de ensinar. De estar com crianças. De ver as peripécias das crianças. De ouvir a sabedoria das crianças. De sentir a ilogicidade (lógica mesmo) das crianças. Fazendo-se criança no meio das crianças. Acalentou, por longos anos, o sonho de cursar pedagogia. Para conhecer mais? Para conhecer outros métodos? Para ensinar melhor? Que fosse para tudo isso mas Maria de Oliveira tinha já todas estas coisas. Aliás tinha o melhor dos métodos: tratar gente como gente. Que é diferente. Que tem sentimentos. Que se alegra e se angustia. Que ri e chora. Que tem o que comer. Que não tem. Nunca concretizou o sonho. Formados os filhos tentou realizá-lo. Não pôde: perdia lentamente a visão. Perdeu-a por completo. Imagine o leitor o tamanho da pancada. Não poder ver quem gostava de ver: as pessoas. Não poder ler quem gostava tanto de ler. Não poder ver as crianças que tanta alegria lhe deram um dia. A vida é assim, amigo: um jogo de substituições - substituiu, em MOD, a visão pela cegueira. Entetanto, a professora soube lutar. Soube enfrentar os problemas com consciência e aceitação. Até o fim. Maria de Oliveira Dias escreveu um livro apenas  "Mensagens do Mar de Mim". Muito bem: "este livro/ que já foi meu / Que é teu/que foi sonho'". São mensagens simples. Nascidas lá de dentro. Lá da alma. Mensagens vividas e humanas. De Coração para coração. O ritual de sua escrita era fazê-la em borrão. Escrever. Reescrever. Buscando sempre as coisas mais simples. E mais universais como a dor, a saudade, o amor, o sofrimento, os sonhos. As coisas da Terra natal: a carnaúba. O trem: "Um sino se faz ouvir / Logo sem espalhafato/O trem prossegue a zunir/ Rumo à cidade de Crato" O Juazeiro: "Existe um Juazeiro / Que cresceu là no terreiro, A seca: A chuva não mais voltou/a molhar o chão". A festa de janeiro: "Meu Deus, como era legal/ sempre no mês de janeiro/ Na minha Terra natal/ A festa do padroeiro". E outras coisas. Para quem quer escrever, a mesma mensagem: leitura e escrita. Ler muito e escrever muito. Mesmo que seja para rasgar. Maria de Oliveira, com certeza, rasgou versos ao longo do tempo. Só um livro de Maria Oliveira. Estou que há tanto verso e trovas dentro de caixas velhas. Por gavetas velhas. Por dentro de livros velhos. Uma sugestão: que os filhos não deixem que tudo isto amareleça no fundo de malas. São lições que o mundo está perdendo.
Mais algumas mensagens estão à frente.

AQUARELA DO BRASIL

(Trovas transcritas do livro
"Mensagens do Mar de Mim". 1986.)

Um dia com altivez
Num gesto bem senhoril
Deus sonhou, sonhou e fez
As terras do meu Brasil.

Empregou tintas formosas
E com famoso buril
Gastou muito a cor das rosas
Nas terras do meu Brasil

Perdido lá nas distâncias
Desenhou o céu de anil
Pôs lindas cambiâncias
Nas terras do meu Brasil.

Fez de esmeraldas o mar
Onde jogou barcos mil
De prata fez o lugar
Das terras do meu Brasil.

Fez matas e fez os montes,
Pássaros de gorjeios mil
Fez os largos horizontes
Das terras do meu Brasil.

Depois com a própria mão
Num gesto assaz senhoril
Pintou no meu coração
As terras do meu Brasil.

VELHICE FELIZ

(Do livro "Mensagens do Mar de Mim". 1986.)

Perguntei a um velhinho
Se estava triste e sozinho
Ele me respondeu - "Não!"
Minha vida é radiosa
Velhice tão carinhosa
- Eu sou feliz com razão

Então fiz uma pausa
Mas lhe indaguei a causa
De possuir tanto afeto
O velho olhou risonho
E respondeu como em sonho:
- Olha, possuo um neto.

É aquela linda criança
O ramo da esperança
Desabrochando em flor.
É filho da minha filha
Meu neto é a maravilha
Da filha do meu amor.

Diante do que ouvi
Muita alegria senti
Fiquei feliz a pensar:
- Velho também tem sorte
mesmo já perto da morte
nas alegrias do lar.

A FESTA DO PADROEIRO

(Quadras do livro "Mensagens do Mar de Mim" 1986.)

Meu Deus, como era legal
Sempre no mês de janeiro
Na minha terra natal
A festa do Padroeiro.

Fogo de vista e de roda
As novenas, o balão
Gente andando na moda
E no fim a procissão.

Barracas em meio à praça
Que encanto, que fulgor!
Moças vendendo - que graça!
Bolos, café e licor.

Numa banca de cerveja
Outras vendem - que bacana!
Trabalhando pra igreja,
Neusa, Maria, Joana.

Perto da mesa sentado
Estudava medicina
Deca Lemos animado
Namora bela menina

Além de obter esmola
Com jeito e certa arte
Trazendo uma sacola
Via-se Zeca Duarte.

Compondo hinos de partido
Alegre e muilo feliz
Um moço bem conhecido
Nosso Pedrinho Luís.

De batina e de botas
Sempre muito pacato
Conta tantas anedotas
Mundico - o Padre Nonato.

O lider muito estimado
Trabalhando com afinco
Por todos admirado
O Juca - Juca de Quinco.

O leilão do pinga gritado
Tendo o menor pregoeiro
Aurélio muito afamado
Nas festas do Padroeiro.

À frente da cabaçal
Era o mesmo todo ano
No pifano sensacional
Tocando o mestre Germano

Meu Deus, como era legal
Sempre no mês de janeiro
Na minha terra natal
A festa do Padroeiro.

CAPRICHO

A vida se esforçou
Para me fazer feliz
Mas a sorte me negou
O que na vida mais quis.

*Em 15 de Julho de 2022, durante o Evento da Fliman, seu livro "Mensagens do Mar de Mim" é relançado.

Fonte: (Extraído do Livro Zeca e Nita Duas Vidas e Um Propósito de Lindemberg Duarte).
A poetisa e professora Maria Oliveira resumiu em trovas a dinâmica operacional a que me refiro acima, com beleza, simplicidade e muita leveza. Senão, vejamos: a Festa do Padroeiro.

"Meu Deus, como era legal.
Sempre no mês de janeiro.
Na minha terra natal
A Festa do Padroeiro
Fogo de vista e de roda.
As novenas, o balão
Gente andando na moda.
E no fim a Procissão.
Barracas em meio à praça
Que encanto, que fulgor!
Moças vendendo - que graça!
Bolos, café e licor
Numa banca de cerveja.
Outras vendem - que bacana!
Trabalhando pra igreja.
Neusa, Maria, Joana.
Perto da mesa sentado.
Estudava medicina.
Deca Lemos animado.
Namora bela menina.
Além de obter esmola.
Com jeito e certa arte
Trazendo uma sacola.
Via-se o Zeca Duarte.
Compondo hinos de partido.
E sendo até mui feliz.
Um moço bem conhecido.
Nosso Pedrinho Luiz.
De batina e de botas
Mas sempre muito pacato.
Contava suas anedotas.
Mundico - o Padre Nonato
O lider muito estimado.
Trabalhando com afinco
Por todos admirado
O Juca - Juca de Quinco.
O leilão do pinga gritado
Tendo o menor pregoeiro.
Aurélio, já afamado.
Nas Festas do Padroeiro.
À frente do cabaçal.
Era o mesmo todo ano.
No pifano sensacional.
Tocando o mestre Germano.
Meu Deus, como era legal.
Sempre no mês de janeiro.
Na minha terra natal.
A Festa do Padroeiro".

Foto do Livro Zeca e Nita 
Duas Vidas e Um Propósito.

Há um outro, "Viagem Proveitosa", que fala das cinco regiões do país e de suas belezas. Foram momentos ricos na área da cultura, quando se declamavam vários poemas nacionalmente
consagrados, os de origem regional de domínio público e havia, ainda, outros feitos por pessoas de lá, a exemplo dos poemas acima citados de autoria de Maria Oliveira, professora, poetisa e dramaturga, que produziu diversos deles na época dos chamados "Dramas", uma manifestação cultural, do ramo teatral, nos quais Nita era da linha de frente desses acontecimentos, dando vida àqueles personagens maravilhosos e suas histórias. Transcrevo, logo abaixo, os dois poemas acima citados porque não é do conhecimento de muitos, principalmente dos mais jovens, a quem dirijo, preferencialmente, essas memórias, para difundir um pouco a nossa história e também para dar uma pequena contribuição à cultura de nossa terra.

"Pequena Aperreada"
"Que triste coisa é ser pequena
E a todos ter que obedecer
Por tudo ralham-me sem pena
Eu já nem sei como fazer.

Se corro aqui
Gritam logo ali
Menina, vá para o seu trabalho
Se mexo aqui, me prendem ali
E no castigo sempre encalho.

Oh! que coisa horrivel é ser pequena
E assim mesmo, senhores,
Ainda há quem diga:
Ah! meu tempo de criança!
Tais pessoas não se lembram mais
Ou então tiveram melhor sorte do que eu!
Como se pode gostar de ser pequena?
Todos se julgam com direito de mandar-me
Todos!
A mae ordena, exige o pai
Manda a maninha
E até a empregada.
Eu é que não tenho direito algum

Só para obedecer.
Quando às vezes peço à empregada
Para fazer-me qualquer coisa,
Ela está sempre pronta a dizer-me:
Ora, menina, você é muito pequena pra ficar exigindo 
Que se faça a sua vontade!

Refrão
Oh! que infelicidade
Ter pouca idade
Ah! mas quando eu crescer
A minha vontade
Com sinceridade
Hei de sempre fazer
E não hei de obedecer
Hão de ver, a quem me aborrecer,

Se me convidam a um passeio
E não me dizem aonde vão
Já saio com grande receio
De levar na rua um carão
De fato se ando mais depressa
Dizem-me logo, ande devagar
E se relaxo o andamento
Mandam-me logo o passo apressar.

E isso é nas ruas, senhores,
Se me virem à mesa: é a cada instante
-Menina, não ponha a faca na boca,
-Não coma a sobremesa antes da sopa,
-Não tome tanta água que faz mal.
E um martírio!
E por isso estou sempre a cantar:

Refrão
Oh! que infelicidade
Ter pouca idade
Ah! mas quando eu crescer
A minha vontade
Com sinceridade
Hei de sempre fazer
E não hei de obedecer
Há de ver, a quem me aborrecer.

À classe, se chego atrasada
E se não dou bem a lição
Me mandam sair da bancada
Ficar num canto de plantão
Se me zango e me revolto
Dizem-me logo: é má criação?
E se na troça levo o caso
Novo castigo sobrevém então!
Ontem eu estava mesmo resolvida
A não ir à escola!
Mamãe adivinha e zás.
Obrigou-me a ir

Lá, tive que me ver
Entre um quente e dois fervendo
Não sabia patavina da lição
A mestra olhando-me desdenhosamente disse: "Em pé 
Virada para a parede,
Estudando a lição!
Pra menina como você,
Eu tenho é castigo,
Eu fiquei triste e mesmo chorando cantei no coração"

Refrão
Oh! que infelicidade
Ter pouca idade
Ah! mas quando eu crescer
A minha vontade
Com sinceridade
Hei de sempre fazer
E não hei de obedecer
Há de ver, quem me aborrecer.

E quando penso a sós comigo
O que minha vida há de ser
Levar só pitos e castigos
E nem um prêmio merecer
Lastimo tanto ser pequena,
Tenho um desgosto que não sei dizer
Viver assim, não vale a pena
Vou decidir-me a obedecer.

A mamãe está sempre a dizer-me:
Se essa menina fosse obediente,
Tudo lhe corria às mil maravilhas!
Minha professora diz o mesmo.
A mamãeme promete roupa, sapato, boneca...
E até um quartinho bem preparado
Onde eu posso receber minhas amigas
Nos domingos e nas costumadas reuniões de brinquedos.

Minha professora me diz que,
Além de muitos prêmios,
Terei o primeiro lugar da classe.
E assim na presença do sr. Delegado de ensino desta região
Juro seguir outro jeito de vida
E, portanto, em vez de entoar o canto predileto
Cantarei assim:

Refrão
Oh! que felicidade
Com tão pouca idade
Tantos prêmios merecer
Afirmo com verdade
Com sinceridade
Que quem aqui estiver
Para o ano há de ver
Que a F...sabe obedecer."

"Viagem Proveitosa"
Eu fiz uma viagem
Pelo Brasil afora
E sem contar vantagem
Vou relatar agora.
Depois de preparada
Com os cruzeiro na mão
Preferi ser levada
Por ligeiro avião.

E segui pelos ares
O Brasil percorrendo
Vendo embaixo os mares
E no alto o céu vendo.

Fui conhecer de perto
O gaúcho falado
Que é amigo certo
Se não está zangado.

Fui à famosa Santos
O nosso grande porto
A terra dos encantos
A terra do conforto.

Depois de uma prosa
É fato verdadeiro
Na "Cidade Maravilhosa"
O Rio de Janeiro.

Fui levada do Rio
Por vôos sem iguais
À região do trio
Para Minas Gerais.

Continuando a história
De Minas no entretanto
Segui para Vitória
No Espirito Santo.

Depois de avião
Sem ter nenhum descanso
Fui visitar primeiro
A famosa "Paulo Afonso".

Percori o Nordeste
E fui a outras zonas
Tomei o rumo do oeste
E dei com o Amazonas.

Deixei o aeroplano
Depois segui de trem
Às margens do oceano
Dei com a rica Belém.

Estive em São Luís
No Piauí demorei
Na viagem fui feliz
E ao Ceará regressei."

As duas peças acima transcritas tanto podem ser declamadas como cantadas. E era muito comum se usar a forma cantada nas apresentações, pois se conseguiria reunir várias pessoas formando um coral de vozes, além do que se poderia contar também com o concurso de algum instrumento musical para o acompanhamento o que tornava a apresentação mais animada e, portanto, mais concorrida e apreciada. As duas formas, no entanto, têm qualidade e apelo, pois a declamação também oferece a beleza da gesticulação como forma de contribuição ao entendimento da mensagem dos textos, em prosa e verso, além da plasticidade e da visualização, presentes na apresentação como um todo em que o cenário e composto.
As peças foram cedidas gentilnmente por Célia Oliveira, filha da escritora Maria Oliveira, e estão à disposição com outras mais, no belo livro "Mensagens do Mar de Mim" (in memoriam), que traz grande produção dessa excelente poetisa e professora, elaborado com muito carinho pelos filhos Célia, Everardo e Suely, como reconhecimento á contribuição que essa educadora e amante das artes deixou para a posteridade, elevando ainda mais o nome de nosso querido lugar. Maria Oliveira foi professora em São José, sendo citada por diversas pessoas que a conheceram e até beberam da sua fonte de saber, tornando-se essas pessoas, hoje, respeitadas por suas qualidades intelectuais, despontando em suas áreas de atuação, e cujo testemunho contempla, inevitavelmente, a grande contribuição dela para esse sucesso. Em seu livro "São José das Mangabeiras", João Gonçalves de Lemos enumera vários desses abnegados profissionais que passaram por São José, a exemplo de Agá Cals, Paulo Moreira de Mello e Vicência Mota. Mas para ele também foi Maria Oliveira quem mais marcou uma nova etapa na educação e na cultura da pequena vila. Além de professora ela deixou-nos grande produção literária, notadamente na área relativa à poesia, com muita ênfase ao civismo e ao patriotismo, por sua grande devoção à pátria e aos seus simbolos. Aliás, nesse campo da educação, tivemos vários mestres e mestras que contribuiram positivamente para o crescimento de seus alunos. E como dever de justiça, assinalo Maria Luiza e Socorro Luiz, Nita Duarte e Glorinha Duarte, entre muitas. Coloquei uma ao lado da outra, por coincidentemente além de irmãs, duas a duas, terem sido professoras das mais longevas, atuantes e muito queridas por seus alunos e terem prestado enormes benefícios aos jovens de São José em busca de maiores conhecimentos. É nas palavras do Professor e pensador Gabriel Chalita, que encontramos a pertinente definição do que é ser Professor: "Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com a colheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos; é lapidar diamantes".

Foto do Livro 
São José das Mangabeiras
de João Gonçalves de Lemos.

Durante o relançamento do Livro "Mensagens do Mar de Mim", Célia Oliveira a filha da professora Maria Oliveira esteve presente e fez os agradecimentos.

Foto de Nilberto Henrique.

ACRÓSTICO: MARIA DE OLIVEIRA DIAS

Mestra de letras e das palavras
Amante da poesia e da natureza
Religiosa como cristã fervorosa
Incontestável como formadora de gerações 
Apaixonada pelos filhos, pelo esposo e pela família 

Dedicada como grande ser humano
Educada além da sua época

Orgulho dos que aprenderam com ela
Legítima como admiradora nacionalista
Imortal pelo legado deixado 
Verdadeira com suas ações E atitudes
Eterna pelas "Mensagens do Coração"
Intensa na busca dos seus desejos
Rara pela sua simplicidade
Admirável pela sua bondade e ternura

Determinada acima de tudo 
Inerente às suas ações pedagógicas 
Amiga de todos, a toda hora
Simplesmente Professora Maria Oliveira.

Homenagem á Professora Maria Oliveira Dias, Patronesse na Cadeira 23, que ocupo na Academia Lavrense de Letras.
Nenenzinha Mangueira
Mangabeira, Maio/2016

Acróstico retirado do Livro Vidas e Prosas em Versos de Nenenzinha Mangueira.

Foto de Cícero Lhyma.

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