Batista de Lima.

Foto Tirada
do
Site G1.

JOSÉ BATISTA DE LIMA.

Fonte: (Extraído do livro Mangabeira nas artes nas letras no mundo de Dias da silva).

Lá bem longe. Bem no alto. Imponente e vistosa, a Casa grande de Zé Cândido do Taquari. Em atitude de dominio sobre as outras casas menores ao redor. Como se vigiasse tudo. Como se guardasse tudo. Debaixo das asas. Com frente orgulhosa, voltada para o nascente. Para o lado de onde vem a chuva. Para mais abaixo um pouco, o engenho. O engenho do Taquari. Fazendo mel. Fazendo rapadura. Mulheres suadas no puxa-puxa ligeiro. O alfenim do Taquari. O mel do Taquari. O doce do Taquari. Alegria de moradores trabalhando. De todo mundo. Era. Em tempos mais remotos, ouvia-se, na madrugada, o grito do tangedor de boi, mandando as juntas de bois arrastar a bolandeira que fazia rodar as moendas, que esmagavam a cana que se fazia garapa que virava rapadura que a gente comia com feijão e angu. E rangia, e ringia rouquenha. rigida moenda. E o cheiro de mel caminhando para bem longe. A cana chegando, fresca e gorda de água, em cima de burros mansos. A cana no baixio estreito, brincando com o vento.
Açudes cheios. Tanta água querendo sair para a corrida livre, de Sítio abaixo. (Hoje o engenho é quase nada. A cana é quase nada. O cheiro de mel é quase nada. E nada de tangedor de boi. Nada de bolandeira para movimentar moendas. É. O engenho do Taquari é um dos poucos que ainda esta teimando contra a ação corrosiva do tempo.) Pois bem: nesse cenário, nasceu Batista de Lima, que, na pia batismal, o padre disse que o nome dele é José - José Batista de Lima. Pelo visto, o local do nascimento do Jose é bem bonito. Bem bucólico. Que, sem padre e sem pia, recebeu um nome: Taquari. Lá tem gente que diz que tem o Taquari de cima e o Taquari de baixo. Ou debaixo?. Não, aqui os dois sítios são separados mesmo: "de cima" e "de baixo". Batista de Lima nasceu no de cima. Mais conhecido. Mais mandão. Dir-se-ia pai do de baixo pela majestade e domínio. E posição estratégica.
Em 17 de maio de 1949, sai o menino do ventre de sua mãe, com choro e tudo, numa separação brusca e traumática para o abraço do mundo. Para a dor de existir. Porque viver é enfrentar a dor. Dor aqui é tudo: é dor, é dificuldade, é preocupação é angústia é violência é miséria, e.. É muito mais coisa. Quem não tem dificuldade? Quem não se preocupa? Que não sofre violência? Quem não sofre com o sofrimento do outro? Por isso viver é sentir dor. É teimar contra a dor. Francisco Batista de Lima e Raimunda Cândido de Lima não sabiam, não podiam saber que aquele pedaço de gente chegaria a ser gente poeta, gente escritor. Com certeza, a alegria de vê-lo nem deixava pensar essas coisas. Só em que crescesse e fosse feliz. Só isso. Como imaginar que aquele rebento, um dia arancaria admiração das pessoas? Sujeito engraçado e conversador, o pai de Batista de Lima. Mulher bondosa, corajosa e paciente, a mãe de Batista de Lima. Pois é: natureza exuberante ( nos invernos ) e campos bonitos - baixio estreito, as ladeiras, Serra Pelada -foram o palco onde BL viveu a infância. Como toda criança de sitio e de fazenda. A correr por caminhos, ora empoeirados, ora cheios de lama. Pelos terreiros vermelhos. (O terreiro da Casa Grande, de Zé Cândido do Taquari, tingia os pés da gente de vermelho forte.) A subir e a descer ladeiras. Dir-se-ia que era uma charneca, de tanto sobe e desce. Por tantas estradas ingremes. Chupando a cana doce pelo baixio. Pela bagaceira se melando no bagaço da cana recém-triturada. A roupa deixada no aceiro da água fria para o mergulho livre nas planícies de cristal. Com preguiça grande de ir para a escola. Como toda criança que tem preguiça de estudar. Trabalhando na roça como gente grande.
Não obstante roça, trabalho, estudo e preguiça, a infância da gente é sempre feliz (de uma felicidade inconsciente), despreocupada. Sem problemas porque a gente não sabe que existem. Mas eles existem sim, lá por dentro, germinando cuja consciência só vem depois. Ai então eles aparecem doendo e magoando. É quando a gente cresce. É a vida propriamente dita. Começando: porque viver é ganhar/perder. É perde e ganha até a perda definitiva. Porque na vida a gente sempre sai vencido pois a morte é o desenlace inevitável. É verdade: a gente precisa estudar. A gente tem que estudar. A gente é obrigado a estudar. A nossa Lei Maior - lei maior é a Constituição - manda dar escolas para todo mundo. Sem se olhar nem para raça nem para cor. Nem pro rico nem pro pobre. Nem pro são nem pro deficiente. lgualmente para todos, em determinada faixa etária. lnfelizmente só diz que é "pra". Essa ordem, contudo, não sai das páginas do Livro Grande do Pais. Governos poucos, todos pra gente sair mais correto, parece que não devem obediência ao preceito. E rasgam a Constituição de quando a quando. Como dar escola para todo mundo? Não há meios para se fazer escola para toda gente. E todo mundo martelando a cabeça da gente: tem que estudar. Quem não estuda não vence, não é nada.( Pensei que se deveria dizer: é "nada'" e não "não é nada".) Que fique como sempre se disse. E ainda acrescentam: que nunca será gente. É, não há saida: a gente tem que ir para a escola. Nem que não se aprenda nada. De fato: aprende-se pouco nas escolas formais, tradicionais. Aprende-se mais é na escola do mundo cujo professor é a vida. Mas foi assim: como todas as outras crianças, BL, teve uma escola. Primeiras aulas com a professora Maria Eunice. A sala não tinha nem cadeira. De casa, ele levava uma na cabeça. Imagine o leitor o peso da cadeira e da preguiça na cabeça de BL.
Como tudo se repete no tempo e no espaço inúmeras escolas, hoje, não têm cadeiras para todos. E o engraçado é que são escolas de governos que já receberam o dinheiro da gente para fazer escolas com cadeiras. E outra: as crianças nem as levam à cabeça porque não as há. (Não quero nem saber do cacófato - "as há"). Assim, faltam escolas, faltam até carteiras. E a constituição? Não sei por que as autoridades deixam chegar a este ponto! Escolas poucas pra tanta gente. Escolas poucas com menos cadeiras. E diz-se como martelando: não tem recurso. Não tem verba. Estourou o orçamento. Recursos tem porque a gente paga tudo. Tem verba. Dinheiro tem demais. Pode ser pra outras coisas. Mas tem. Pra educação não tem. Pra saúde ai é que não tem. Pra hospital falta. Pra uma santa Casa de Saúde não tem. Fecha-se aquela creche porque não tem dinheiro. É pra isso não tem dinheiro. Agora para aquilo tem. Para superfaturar tem. Para desviar e não devolver tem. Para viajar tem. Para mordomias tem. (Só um exemplo: para negociar um empréstimo pequeno, vai uma comissão grande cujas despesas e "outras coisas mais" ultrapassam o montante do empréstimo. Puxa! Estou exagerando. E exagerar é errar). Só pode é não haver escola para todos: constrói-se uma só com dinheiro suficiente para fazer mais três ou quatro. Resultado: crianças pelos caminhos do analfabetismo. Da ociosidade - ociosidade é a mãe de toda malandragem. Das drogas. Da corrupção. Da prostituição explicita porque a escondida é mais fecunda ainda. Do sem sentido da vida. Falta de recursos para educação? Para a saúde? Nada disso. É falta é de vontade. Falta de decisão. É por ser investimento sem retorno imediato. É pela intenção de conservar as coisas como estão. É por causa dos desvios milionários. É a não aplicação correta de tanto dinheiro. Quando você usa honestamente dinheiro pouco faz milagre. Se é o caso do País, isto é poucos recursos usem-nos bem e haverá escolas por todo canto. Hospital por todo canto. Gente vivendo dignamente por todo canto. Tudo bem por todo canto.
Vou continuar com as minhas besteiras. Pode esperar mais. Por que autoridade maior de cada estado brasileiro não visita (sem ser de helicóptero - de helicóptero lá em cima a miséria lá embaixo fica bonita; as estradas esburacadas ficam como tapetes; as enchentes derrubando casas pobres são uma paisagem de encantar) cada escola de sua circunscrição - uma visita só pelo menos no decorrer do ano? É, visita é campo de futebol, com aquele negócio pesado na cabeça e a pé. E ninguém diz que falta dinheiro para reformas suntuosas. E de outras coisas. Pra escola falta. Pra comprar cadeira, falta. Para dar condições ao professor de trabalbar, falta. E o trabalho de ensinar é o mais cansativo. É o mais exigente. É o que mais tira da gente. Falta dinheiro até para merenda. Para um pedaço de pão ou uma sopa rala. O fato é que, até hoje, ninguém conseguiu obedecer à lei Maior. Ninguém conseguiu encher o País de escolas. De escolas para todos. A gente já sabe que todos têm direito à vida. Àescola. À saúde. A ir e vir. O negócio é que tem gente tirando isso da gente. Pelo menos alguma coisa disso. Enquanto a gente está tomando tempo dizendo estas besteiras, o menino BL ficou lá com a cadeira na cabeça rumo à escola, cansado já com certeza. Não, ele está sentado na cadeira que trouxe de casa, na escola improvisada, na casa de Tia Maria Teresa. Era comum naquele tempo - que tempo que era aquele tempo - (e o de hoje também) - donos de sitios arranjarem profesores de fora para ensinar a meninada. O de Batista de Lima foi uma professora. Maria Eunice. Excelente professora.
Sempre houve e haverá professores excelentes. Por todo canto. Também os houve e haverá sem excelência. "Jovem, bonita, magra e sonhadora" - aqui BL já começa a fazer poesia - a professora Maria Eunice tratava os alunos com atenção e carinho. Tratava-os como gente. Infelizmente hoje, em salas de aula, o aluno é coisa é só número, só um número. A criança tem medo da primeira escola. Meu primeiro dia de aula nem me lembro mais quando - foi uma angústia. Não sem razão. É como enfrentar o desconhecido. E todo mundo tem medo do desconhecido. Eu tenho um grande medo do desconhecido. E mais: o medo acompanha a gente enquanto a gente se agarrar à vida. E à vida a gente se agarra durante toda a vida. Como carrapato. Como abelha de arapuá. Como alho na trança. Era. A escola era lugar de medo. De gosto também. Pelo menos no pensamento da gente. De protessor corrigindo e exigindo. Lugar de castigo. De professora brigando com a gente. A palmatória: a gente levava bolo de vez em quando. Estou que todo menino pensava assim. Sobretudo antes de chegar à escola. Veja o amigo a idéia de JBL, menino, sobre escola: alguma coisa pregada à parede. Não sei por que essa concepção assim de escola. Não sei de onde ele tirou esta visão matafórica de escola. Parece que já era a escola vista poeticamente. A poesia, sim, se bulindo na mente do menino do Taquari. Louve-se o otimismo de Batista de Lima, que consegue ver a vida assim: "trabalho e vitórias. Sem decepções". Para mim - não, não é pessimismo - a vida alterna do trabalho ao "far niente" ; da vitória ao fracasso. Entre avanços e os recuos. Quem já atravessou a vida sem pancadas de decepções? Sem a visita da dor? Bem, certamente, para sentir assim a vida BL tem suas razões. Merece atenção e respeito, portanto, essa concepção de vida.
Batista de Lima frequentou outras escolas. Em outros sitios. Estudar, naqueles rincões, era enfrentar dificuldades. O problema maior era o deslocamento nos invernos grandes.
Estradas cheias de lama. Pedras lisas das chuvas grossas. Pequenos córregos atrapalhando os caminhos. Entretanto como era gostoso andar, pés descalços, pelas águas correntes. Calças arregaçadas, o pequeno caderno na mão. Tinha-se, porém, a certeza de que a criança chegaria à escola. Sem perigo. Sem assalto. Sã e salva. A pé. Tão diferente hoje! A gente está indo de carro, de ônibus, de metrô e as vezes, não chega lá. A violência não deixa a gente chegar lá. O assaltante pega a gente no caminho. O seqüestro é feito no meio do tempo. É, estão matando às portas das escolas. Na estrada de casa. Que tempo que estamos vivendo. O tempo não é assim: nós é que fazemos o tempo assim. Além de hábito, de habilidade, a leitura é necessidade. É um trabalho cognitivo, constituidor do humano. Para Batista de Lima é a forma de relacionamento com o mundo. É a maneira de familiarização com diferentes criaturas. A leitura do mundo: lemos o mundo, todos os dias. Nem todo mundo gosta de ler. No Brasil, lê-se pouco. Muito puco. Não obstante saber-se de sua importância. Para se adquirir o hábito da leitura, é preciso descobrir a leitura que venha ao encontro do leitor. Em que o leitor se identifique. Em que o leitor se deleite. Do contrário, converte-se em castigo. Em coisa desagradável. Em coisa monótona. Dai a ojeriza de muitos ao livro. Tem gente que pensa que é um investimento sem retorno. Que é perda de tempo. Que é para quem não tem o que fazer. Não é assim, todavia. Após qualquer leitura, fica sempre alguma coisa na gente: alguma idéia, um conhecimento novo, uma pessoa um quadro, um termo novo. No momento certo, surge aquela expressão. Você, às vezes, nem lembra onde viu aquele pensamento aquele conjunto linguístico. Porque ler é armazenar idéias conceitos e vocábulos.
A leitura de cordel de autores vários lhe dava gosto. Batista de Lima leu muita história de trancoso. Histórias engraçadas. Histórias de assombração. Delas horripilantes. Delas inverossímeis. Delas reais. Com o tempo, autores foram-lhe trazendo novas emoções. Despertando-lhe deleite e prazer estético. Leu de ponta a ponta José de Alencar o grande escritor romântico do romantismo. Manuel Bandeira a poesia de Manuel Bandeira lhe arrancou aplausos e emoções especiais. Pois é: era Batista de Lima guardando coisas para eterná-las ao depois, em verso e prosa. Ler e escrever é a receita para o escritor. A escritura pode ser orientada. A decoração de manuais de redação e aula pouca coisa acrescentam. Leia amigo e escreva sempre. Foi o tempo em que estudar no Liceu causava admiração e botava orgulho na gente. Dizia-se científico, 2° grau ensino médio. Mudou de nome e perdeu em qualidade. BL hoje fala com vaidade que foi aluno do Liceu do Ceará. Ao contrário pouca gente, agora, di-lo com a mesma vaidade. Tão enfraquecido está o ensino do velho Liceu, que agora é "Liceu Velho". Disciplinas preferidas: Literatura, História e Lingua Portuguesa. É o que a gente chama de vocação. É mehor dizer pendor para as letras. Batista de Lima trazia do berço este gosto dentro, em potencial, para as letras. Para a leitura. Não lhe faltou mais na prateleira, o romance, a poesia, o conto a crônica a história do Nordeste, sobremodo coisa do Ceará. Lia tudo. Ao lado disso ardia-lhe o desejo de escrever. De transformar as leituras em coisas suas. Saidas bem de dentro. Em linguagem própria. É verdade: quem muito lê muito armazena. E chega a hora em que é forte a necessidade de esvaiar tanta tensão. Escrever é um dos caminhos.
O que se diz ou o que se escreve já foi escrito ou dito de certa maneira. A gente só faz de outro modo. E tem gente que diz que originalidade é só dizer de outra forma o já dito. O que se faz é reconstituir coisas. O escritor recria. O leitor recria coisas em cima das coisas recriadas. Não há nada de novo debaixo do Sol. A gente pode ser original sem fugir ao mimetismo. A gente busca imitar - sem copiar - quem a gente elege como modelo. A imitação com originalidade é salutar e inevitável. Por exemplo: Batista de Lima guarda uma admiração grande por João Cabral de Melo Neto. Por Drummond de Andrade. Por Machado de Assis. São-lhe escritores-modelo cujas obras são livros de cabeceira. Eu já disse: o ato de escrever é um ato solitário. Escreve-se sozinho. Aprende-se a escrever sozinho. A gente só tem um papel em branco, um lápis mordido e uma mesa vazia. Agora é criar personagens. É criar diálogos. E outras coisas. Como é difícil a arrumação da primeira frase. Batista de Lima foi feliz ao confessar o que foi escrever os primeiros textos: "foi como aprender a nadar sozinho nos açudes do Taquari". É assim mesmo: a gente pensa que vai se afogar. E desce e sobe. E bate. E busca se agarrar em qualquer coisa. Escrever é assim: a gente sofre. A gente sua. A gente esperneia. Desvanece. Tem alento. E lima. E corta. E... Batista de Lima começou assim: escrevendo, escrevendo e desanimando. E escreve e apaga e lá está o texto. Se não houver encorajamento, o desânimo é inevitável. Às vezes o abandono e o fracasso. Batista de Lima teve o incentivo de amigos. E o jovem escritor foi à frente. Cresceu. Está crescendo. Sim, porque não há escritor acabado. É verdade: não existe receita para a escritura. Não há regras definidas, não obstante se deva obedecer a normas. Podem-se estabelecer, contudo, condições: antes de tudo, leitura muita leitura. Batista de Lima diz que quem não é leitor não é escritor. A leitura. A leitura é que fornece a matéria-prima da escrituração. Leitura ininterrupta. Porque escrever é procurar entender. É procurar reproduzir o irreproduzivel é sentir até o fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocado.
Batista de Lima não se contentou com o ensino médio. Como é  próprio do ser humano, ansia por conhecer mais. Ir á frente. Eterno insatisfeito é o homem. O curso de Letras e de Pedagogia foi outro grande passo em sua vida. Na Universidade Estadual. A esta altura, além das leituras da área, BL não esquecia a ficção. Lia Guimarães Rosa, romancistas outros e poetas. Começaram as primeiras produções literárias. Em 1977 estréia na poesia com "Miranças", livro que o próprio considera primário. E completa: "Foi o ponto de partida". Pois é: Primário para significar primeiro é aceitável. Primário para pensar sem importância, sem valor, não está correto. Porque cada obra é única. Para produzi-la, o autor deu, com certeza tudo de si. Na ocasião, foi o melhor que pôde fazer. A melhor criação. Sobremodo em se tratando de escrever como Batista de Lima que é um preocupado com a forma. Com o conteúdo.
Com a correção. É um dos que, primeiro, escrevem em rascunho. Depois, lima o texto. Burila o texto. Rasga o texto. Reescreve o texto. Sua poesia, por exemplo, diz muito mais do que está escrito. E a prosa também. O estilo enxuto dos contos fá-los rápidos e curtos. Sem palavras de mais. Sem palavras de menos. Numa "desrealização" de personagens e cenários. Depois de "Miranças", vieram outras obras num crescendo em qualidade e formas. "Os Viventes da Serra Negra", 1981; "Engenho", em 1984;  "Os Vazios Repletos", em 1993; "Moreira Campos, a Escritura da Ordem e da Desordem", em 1993; "Janeiro da Encarnação", em 1995; "O Pescador de Tabocal", em 1997; "O Fio e a Meada", em 2000. E "Janeiro é um mês que Não Sossega", em 2002. Este último são 106 páginas de contos rápidos. Contos / cortes.
Batista de Lima é um escritor espontâneo. Não há em sua poesia ou prosa aquela coisa artificializada e cerebral. A escritura - como ele mesmo confessa - surge natural. Nada de linguagem forçada. Linguagem correta sem gramatiquice. Está com a razão ao dizer que o escritor escreve para si mesmo: depois, para os outros. Escrever é um ato narcisico: dai por que quanto mais fama, para BL, mais o ego se enche. Alguma coisa repetida e alguma coisa de novo sobre Batista de Lima: foi seminarista no Crato. Seminário da Sagrada Familia. De lá veio para Fortaleza. Concluídos os cursos superiores, fez especialização em Teoria da Linguagem na Universidade de Fortaleza; terminou o mestrado em Literatura. Como professor de Lingua Portuguesa, lecionou em diversos colégios: Casimiro de Abreu, Colégio Brasil. General Osório, Júlia Giffoni e Colégio Militar. Atualmente é professor na UECE e na UNIFOR, onde foi chefe do Departamento de Letras e, em seguida, Diretor do Centro de Ciências Humanas, para o que foi reconduzido. Sua vida literária começou no Clube dos Poetas Cearenses, havendo participado de todas as antologias lançadas pelo grupo. Participou também do Grupo Siriará de Literatura, do Grupo Arsenal, de O Catolé e do Grupo Plural. É acadêmico da Academia Cearense de Lingua Portaguesa em que foi secretário e, hoje, é presidente. E mais: é titular da cadeira n° 03 da Academia Cearense Letras, com posse em 24 de março de 1998. Veja o amigo o que escreveu Linhares Filho, poeta e escritor de mérito, sobre a criação de Batista de Lima: "A poesia de Batista de Lima caracteriza-se pela focalização da terra e do homem tem cheiro de chão, da gleba poeirenta ou estorricada pela inclemência do sol ou úmida e fértil como resultado dos invernos benfazejos; e tem o cheiro de suor de uma população sofredora do suor do agricultor do pescador do vaqueiro do cambiteiro do comboieiro do homem afeito ao trabalho braçal do campo ou do engenho. Sua poesia recende o aroma das grandes moagens e o odor dos currais. É pois sobretudo telúrica e memorialista com acentos de um lirismo comunitário por ele participar do projeto existencial da população de que se origina o poeta no caso do Sítio Taquari".
Vale a pena conferir:

DESASSOSSEGO.

Cura-me desta enfermidade
que é a vida
envenena-me de esperança
iludindo-me
a cada instante
para que eu transporte
este grande fardo

Enlouquece-me
ao amanhecer
para que nele
não se instale
o crepúsculo que se debruça
no meu caminho

Que meu desassossego
seja minha herança
meu transporte
e porto de chegada
e em teu coração
me esconda da tempestade
Abre-te pois em portas
que estou de chegada

Mas não deixa no entanto me achegar
conserva-me ao longo e enfermo
de paixão, loucura e mal-estar
para que eu morra
de viver me estranhado
por saborear-me em ti eternamente.

CANAVIAL I

A cena é do mel
como a terra das espigas
A vida é do homem
Como a messe é do trigo
a capoeira do casulo

Mas teima o homem
Em consumir a haste
que lhe vai frutificar
Teima o homem
em salgar o solo
que lhes vai seivar
em construir as traves
que lhe vão cegar.

CANAVIAL II

Verde mar de morte
o canavial se estende
calmaria
e os homens encalham
navios sem vela
no massapê massacre.

ANTROPOBOI

O vaqueiro em busca do boi
tange o encontro dos dois
o que vale não é o boi
que ao mourão se prende
o que vale é o laço alado
umbilical cordão
entre boi e homem.

O COURO

O couro curtido cheira na sala
e nos aposentos da alma
onde cada sola tem afetos
barros e coices guardados
onde cada vaca tem sua maternidade
sua geometria de onde surgem
pastagem e currais
de onde surge até gemido
do engenho a boi
e do boi continuando no couro
o destino que também é do boiadeiro.

QUITÉRIA

Quando o dia ainda era criança. Quitéria abriu a porta e engravidou de paisagem. Lá na baixinha do nascente o sol pedia licença através de suas pálpebras de Ouro. Era uma paisagem tão linda que ninguém queria se mexer para que Deus completasse a aquarela. Quitéria entrou para a cozinha já certa de que não estava só e em vez de uma fez duas tapiocas e duas xícaras de café. Estava em companhia apenas não via. E pôs a mesa com requinte com duas cadeiras aproximadas. Vestiu o melhor vestido e foi abrir mais a porta para que o criador de paisagens viesse reinar em sua mesa. Que ele falasse alto pigarreasse trouxesse um cheiro de terra um suor pingado e esterco de vaca nas pontas dos dedos e uma coisa de leite mungido e a mansidão do boi do terreiro e a macheza do touro zebu para depois completar a feitura daquele ser que foi gerado no abrir da porta da manhã.
Quitéria abriu-se toda em ternura e engoliu o café e a tapioca e o sol já taludo e a serra com ressaca. Engoliu o céu azul a água do açude e o primeiro canto da seriema. Depois de tudo trazer para si sentiu que outro mundo se acumulara no seu eu que outra boiada se refazia que o pé de muçambê florava cheiro e o alecrim recendia ternura e uma abelha pedia licença para chegar com seu enxame e completar a celebração. Foi ai que a aroeira altaneira no oitão direito derramou suas folhas sobre o chão completando um tapete verde para Quitéria refazer o mundo.
Teve um galo que cantou lá fora mobilizando o galinheiro para assistir ao sermão que a natureza fazia. Quitéria sentada no chão fez menção que não via. Fechou os olhos e deixou-se possuir pela sinfonia.
Tudo parecia perfeito perfeito mais que perfeito. Ai rompeu um trovão uma nuvem escura no céu armada de relâmpagos e coriscos. Era Malaquias que chegava no fastio de Quitéria. Era Malaquias que trazia numa bandeja de feitiço um outro mundo ainda mais Príncipe para colocar em Quitéria e provar que os dois a quatro mãos fariam ainda coisa melhor. E ai Quitéria entrou nas águas daquele olhar mergulhou e foi tragada num naufrágio Malaquias e ficou nas profundezas presa apenas para parir eternidades sangrias sangradas e sagradas.

BANANA

Ninguém sabe de onde ele veio. Só se sabe que um dia apareceu em Sipaúbas e se instalou nas poucas ruas da cidade. Dormia na praça e se tornou o primeiro menino de rua do lugarejo. O nome Banana também não se sabe como adquiriu. Era Banana e pronto. Aprendeu a dirigir automóvel, e, ainda imberbe consertava qualquer carro. Até que arranjou o primeiro emprego: ajudante de caminhão. E todo mundo se lembra do orgulho dele ser ajudante do Ford de Felinto. O velho caminhão subia as ladeiras se arrastando gemendo com o peso dos sacos de algodão. Banana tinha
sempre que descer da carroceria e acompanhá-lo com o cepo no ombro. No momento em que o carro estancava, lá estava ele com o cepo debaixo do pneu traseiro. E assim subia ele todas as ladeiras da região. Até o dia em que perdeu três dedos machucados entre o pneu e o cepo. Encerrou a carreira de ajudante de caminhão e passou a bodegueiro. Logo já tinha uma mercearia sortida. Então veio a seca e ele não se preocupou em vender fiado para os homens da emergência. No entanto ele não contava com o fim abrupto do pagamento do governo aos trabalhadores. Quebrou e fugiu para São Paulo deixando contas a pagar. Depois de três anos voltou. Pagou as dívidas e ficou admirado pela fala chiada camisa de linho o relógio de pulso e a radiola portátil com discos do Valdik. Ai botou a primeira lanchonete de Sipaúbas. Lançou o sanduíche na cidade. Ia até muito bem no negócio quando descobriram que depois da chegada começara o desaparecimento dos cachorros e gatos da cidade. Teve que fugir para o Norte onde tentou a vida como vendedor de enciclopédias. Como não sabia ler nem havia computadores mudou de ramo e foi ser médico nos cafundós da Amazônia até que um dia foi descoberto e conseguiu fugir num caixão de defunto.
Chegando à capital, comprou um velho caminhão e dez postes de cimento. Comprou um terreno numa praia deserta e distribuiu os postes de cem em cem metros. Espalhou a notícia de que iam colocar iluminação, revendeu os lotes pelo preço três vezes mais alto. Logo mudou para outra praia e fez o mesmo. Um dia foi descoberto e preso. Perdeu tudo. Inventou outros meios de vida. Diz-se que quando o homem foi à lua e voltou à terra, poucos dias depois estava ele de casa em casa num bairro elegante da capital, vendendo pedregulhos acondicionados em sacos plásticos como se fossem amostras do solo lunar. Terminou seus dias como penitente. Passou um tempo como pastor protestante mas não havia crentes para lhe ouvirem pregações em Sipaúbas. Mas como penitente foi fácil. Entrou no grupo pelas mãos de Joaquim Mergulhão, que era decurião, o único que andava de rosto descoberto. Certo dia ordenou que Banana se cortasse com a disciplina para remir roubo de peixes no açude do Major Apolônio. Aconteceu que Banana cortou-se vantajosamente e desmaiou de perder tanto sangue, dois dias depois morreu de tétano.

PATATIVA - PASSARINHO VOOU

Patativa se foi. O poeta se foi passarinho, passarinheiro.
Primeiro alçou vôo alto de condor pra ver a casa da Serra de
Santana. Matou a saudade e a sede naquelas fontes de pé de serra. Depois pitou um cigarrinho de fumo de Arapiraca enrolado em palha de milho. Depois assuntou pras bandas de Juazeiro e se lembrou do meu Padim, do Frei Damião e da feira. Ah! A feira. Os caçuás de pequi, os rosários de coco e os abacaxis, os óleos de tudo que se imaginava. Como o Juazeiro cresceu, ficou taludo. Depois foi ao Crato em busca de J. de Figueiredo Filho e Elói Teles, mas eles foram antes. Como foi também Luiz Gonzaga, como foi até Lampião, como foi o Beato. Por que as pessoas se vão? -Se todo mundo vai e não volta, é porque lá é bom e eu também vou - pensa o poeta. Vou ver Belinha, Naná, a vaca "estrela" e o boi "fubá". Já tou cansado de cavalgar nas rimas. Quero agora a sinfonia dos anjos. Quero ver se são melhores
que eu no improviso. Não sei que graça tem o Cariri sem esse povo que se foi. Patativa fechou a porta. Quem agora vai segurar a gente? Como é triste a partida. Um povo órfão se acanha porque perdeu seus porta-vozes. Perdeu a força do seu grito. No Cariri é doce morrer, como morrem os canaviais, nas bocas de engenhos e se esvaem pelo Salgadinho como tiborna e mel, farinha e buriti. Patativa se foi, fechou a porta e levou a chave do palanque. Não tem mais quem fale por nós. Até o velho pé de cajarana no fundo do quintal esnmoreceu. Imagino Patativa chegando ao céu. Aquele esparrame de violeiros na espera: Manoel Galdino Bandeira, Rogaciano, Catulo, Cego Aderaldo, Fransquim Cego, Pedro Severino, Eudes Dias, Zé da Luz, Juvenal Galeno, todos trovando e prosando com sua chegada. Se não fosse bom por lá eles voltavam. Os paus-de-arara voltam os paroaras voltam os candangos voltam. Só quem não volta é quem está gostando. Até mais ver meu passarinho.

Em 25 de Outubro de 2019 Batista de Lima lança sua mais recente obra seu livro intitulado "Assim Falou Sipaúbas".
Lançado na biblioteca da Universidade de Fortaleza.
Assim falou sipaúbas é um livro de contos.

Foto Tirada
da
Internet.

Em 17 de Julho de 2021, é lançado o livro Taquari do Engenho, do escritor Batista de Lima.
O livro foi lançado no taquari mais precisamente na casa grande de Zé Cândido.
Batista de Lima fala no livro sobre a história do engenho do taquari que teve como fundador o senhor José Cândido de Lima, Francisco Batista de Lima conhecido como Chico de Osmundo, e Raimundo Batista que foi o reativador da moagem em 2021.

Foto de Cristina Couto.

Foto de Cícero Lhyma.

*Em 20 de Maio de 2022, aconteceu na Paróquia de São Sebastião uma reunião na verdade a apresentação da Fliman (1° Feira Literária de Mangabeira).
Evento inédito e Cultural organizado pelos escritores Batista de Lima, Fátima Lemos e Pedro Luiz Oliveira.
Em 16 de Julho de 2022, Batista de Lima lança seu novo livro "Uma Casa Toda Mãe" Durante a Fliman.

*Em 13 de Julho de 2024, lançou mais um livro "Sonata, nos Ombros da Tarde", durante o terceiro e último dia do evento da 2° edição da Fliman, Feira literária de mangabeira.

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