Francimar Oliveira.

Foto de
Cleando Cortez 

VICENTE FRANCIMAR DE OLIVEIRA.

Fonte: (Extraído do Livro Mangabeira nas artes nas letras no mundo de Dias da Silva).

Tanque. Sitio Tanque - não sei por que Tanque. Que é um nome bonito é. Tanque lembra água. E água é coisa tão bonita. Tão preciosa. Tão preciosa que o mundo já se angustia frente à possibilidade de sua escassez. É, a água pode tornar-se dificil porque o homem está matando as fontes. Porque o homem está poluindo tudo. Já pensou se água faltar? É ela quem traz vida. Quem dá vida. Infelizmente, a água, que era para transmitir vida, está botando doenças na gente, porque o homem, em sua ganância e insensibilidade, está sujando as águas. Poluindo as águas. E as águas estão indo embora deixando sua vingança. Pois é: o nome do sítio é Tanque. Geograficamente, tem ligação com a cidade de Cedro. Pertence à cidade de Cedro. (É, Cedro aqui é cidade, não é o Açude de Cedro. Não é. O Açude Cedro fica em Quixadá). Acontece que o Tanque está bem perto de Mangabeira. É assim: perto do Cedro e perto de Mangabeira. Ai nasceu a personagem destas páginas descuidadas. Além da primeira grande dor - a da separação do aconchego quente do ventre materno para a solidão essencial em meio às pessoas - veio ao mundo partido: metade para o Tanque, metade para Mangabeira. O nome - todo mundo tem uma identidade. Tem nada: tem gente sem identidade e sem nome, tanta é a miséria e marginalidade. Todo mundo gosta de ouvir seu nome pronunciado com respeito. O do biografado é Vicente Francimar de Oliveira. A gente só diz mais Francimar. Só Francimar. Como ele nunca reclamou... O ano foi o de 1935.
Vinte e quatro de março de 1935. Coisa engraçada: o ano do
casamento de meus pais - papai e Didia. Três anos depois, eu
estava passando por uma dessas dores. Por uma só: não nasci dividido entre dois lugares como Francimar. Ora não, nasci sim: entre Lajes e a Barra. Tem gente que não gosta de dizer a idade. A mulher sobremaneira. Não sei por quê. Tem delas que só dizem o mês e chegam a dizer o dia. Nada de dizer o ano. Pelo contrário: era para ter orgulho de declarar o ano. Viver tempo muito é sinal de que você é um felizardo. É um batalhador. De que é um herói. É um vitorioso em meio a tanta violência. A tanta indiferença. A tantas injustiças. A tanta ganância. A tanta desonestidade. A tanta emboscada da vida! A tanta doença. Viver longo é superar tudo isso. Sei que o preço da velhice é a vida longa. Mas é tão bom viver longamente. Quem não chega à velhice é que desapareceu moço. Bem. Por isso é que Francimar não se envergonha de falar que conta já com 67 anos. É, sessenta e sete anos de combate - de bom combate. De muitas ladeiras subidas. De outras tantas descidas. De quedas e de soerguimentos pelos caminhos. Claro, coma certeza da derrota final porque a morte é sempre o desenlace inevitável. A gente tem que ter consciência disso. Não é ser derrotista, não. A vida é uma luta de que a gente sempre sai vencido. Ora não. Bem, mas o que importa é que Francimar continua lutando até gora. Vencendo até agora. É verdade: cada pessoa faz ou diz o que quer. A gente não tem nada a ver. Cada um faz de sua idade o que bem entender. Francimar entendeu e declarou: 24/03/1935. É costume: nas famílias numerosas, irmãos arranjam nomes diferentes do verdadeiro, que o padre chamou na pia batismal. Diz-se apelido. Parece que o apelido faz a gente mais irmão. Muito mais intimo. Assim, quase toda criança tem um negócio assim: um nome inventado. Francimar não fugiu à regra. Cocão é seu apelido. Por que Cocão? Sei lá.
Francimar não lembra coco nem pequeno nem grande. Será porque tem a cabeça um pouco aumentada? Se foi esse o motivo o amigo leitor pode ficar sabendo que maior do que a cabeça é sua inteligência. É um monte de coragem que ele tem. É muito espírito de luta que tem. É muita compreensão das coisas e do mundo. É a cultura que tem. É isso: tem a cabeça crescida para poder comportar tanta coisa boa. Com certeza.
Francisco Afonso de Oliveira e Maria Gonçalves de Sousa - os pais. Já viajaram para outra dimensão de vida. A morte é assim, amigo: bate com a mesma força nas choupanas dos pobres e nos palácios dos reis. A morte iguala todo mundo. Ela diz que todo mundo não passa de lama e podridão. Mesmo que você não queira: a gente não passa de sete palmos de lama. Coisa macabra? É nada: é a realidade. O portentoso também vira lama. O orgulhoso também vira lama. O rico avarento também vira lama. Você sabe o que é rico avarento? Não sabe? Pois eu li não sei onde que o rico avarento é aquele que tem inveja de quem tem mais e medo de quem tem pouco. Assim, o avarento está sempre em sofrimento. Puxa! Como a gente escapole por estradas diferentes. Por atalhos. Espere. Francimar teve pais pobres. Batalhadores contudo. Vou repetir uma coisa: para quem já perdeu algum ente querido - com quem tal não aconteceu ainda - há uma coisa que não tira a dor mas consola quase: - a morte é apenas um sono doce, quando se acorda, já se está lá... Do Tanque, Francimar correu para São José (Mangabeira hoje). E a infância foi entrando no tempo. Como quase toda criança: livre. Com os pés descalços. Sem preocupação. (Parece que somente o pobre consegue viver sem muita preocupação). Sem medo: a criança não tem medo (criança bem pequena) porque não tem consciência de medo. Andando solto por baixios e capoeiras. Subindo árvores, a cabeça ao sol. É assim: é sempre bom o começo da vida da gente. Mesmo com infância sem brinquedo, sem uma bola para chutar. Sem um carro para puxar. Nos bons invernos, lagoas cheias. Açudes derramando água pelo sangradouro. Banhos livres em águas barrentas das enchentes e nas águas azuis dos açudes. Lá pelos sete anos. A buscar ninhos de galinha d'água para pegar os ovos pequenos. É pena que a infância da gente se vá tão depressa. A gente nem percebe. Quando vê, já se vai tão distante no tempo e no espaço. Francimar teve que pular para outro sítio: Baixio Verde. Verde mesmo. Até a água do açude botava mais verde no Baixio Verde. Toda criança - toda criança, não; no Brasil há muitas sem - tem a primeira professora. Pode ser professor também. Estou cansado de ouvir que a escola é um direito da gente. Quem diz isso é a nossa Carta Maior. Ela constitui tanto direito pra gente. Chega a ensinar que todos são iguais perante a lei, querendo dizer que todos devem ser tratados igualmente, com justiça. Não é bem assim, contudo. Falta escola e a justiça só existe entre os iguais. Todo mundo sabe: quantos que não chegam à escola. Quantos que riscam a Constituição. Quantos que estão excluídos. Escola para todos? Justiça para todos? Só no papel nos fundos das gavetas. Agora, vou continuar nesta linha: E os recursos para a educação? Não os há. Há-os para os descaminhos. Há - os para os que já têm muito. Faltam para a construção de mais uma sala. Faltam para colocar um pedaço de pão na boca do faminto. Faltam para o atendimento do doente desanimado. Faltam para dar mais humanismo aos presos acotovelados. Faltam para tudo. Só não faltam para aquilo. Francimar não tem na lembrança a primeira professora, o que é normal. Todo mundo vai esquecendo alguma coisa pelos caminhos. O tempo é um tirano cruel que vai tirando as coisas da gente. Pode não haver sido a primeira mas o nome mais antigo que lhe vem á mente é o da professora Maria Oliveira. Em São José. Ela aparece outras vezes nas páginas deste livreto. Professora inteligente. Preparou tanta gente para o admissão - verdadeiro vestibular na época. Professora de muitos conhecimentos de História e Geografia.
Numa expressão, Francimar teve uma infância de "cigano". Pulando de uma serra para outra buscando pegar as nuvens. De um sitio para outro: do Tanque para o Baixio Verde, para São José. Isso botava descontinuidade nos estudos. Adolescência e idade adulta, passou-as no Rio de Janeiro. Outro mundo grande. Tudo bonito. Tudo adiantado. Mudança grande: do mato para a floresta de pedra. Do convívio de poucos para o meio de muitos. De ruas pequenas e empoeiradas para as avenidas largas, vestidas de asfalto. De uma escola de uma sala para outra de salas sem conta. Foi ai
que percebeu a grande distância dos estudos em São José para os do Rio. Não podia ser de outra maneira. As professoras bem que faziam o que podiam. Maria Oliveira quase chegou à realização do milagre da educação, que é o de ensinar sem as condições mínimas. Entretanto a pouca bagagem de conhecimentos adquiridos em São José facilitou-lhe o ensino fundamental no Rio. Na Escola México. Não tinha pendor para português e matemática. Era notória a deficiência nessas disciplinas. Mas, logo em Português? Veja só: tempos depois, escritor. Chamar-se-ia isso de paradoxo? Agora, gostava de ler. Sempre gostou. Certamente, o que depreciava eram as regras de gramática, de pontuação, de sintaxe. Longe a decoração de normas gramaticais. Isso lhe bota ojeriza lá dentro. Assim, a leitura lhe tornou um hábito. E o que lhe acordou o gosto pela leitura foram os versos do Cego Aderaldo que seu pai recitava de cor. Pois é: a poesia do Cego Aderaldo botou-lhe no peito entusiasmo. Hoje, para Francimar, ler é como viajar noutras épocas em aventuras grandes. E é verdade. Primeiras leituras: "As Caçadas de Pedrinho", presente do tio João Gonçalves de Souza. E veja o amigo aonde vai o nosso Francimar, saido do chao pobre, tão nada: Colégio "Arte e Instrução" e "Pedro II", do Rio de Janeiro. Não era fácil chegar ao Pedro II. Colégio de Fama e de referência. Só os de sorte. E Francimar estudou lá. Entre as disciplinas elegeu Geografia e História. A gente está mudando sempre. Se convertendo sempre. O gosto se transforma com o tempo. E há gosto para tudo. Na adolescência, a leitura preferida de Francimar eram os escritores românticos. José de Alencar lhe botava admiração e deleite. O Guarani fez vibrar-lhe a alma e arrancar-lhe entusiasmos grandes. Não há nada de novo debaixo do sol. Todo mundo começa imitando todo mundo. Ou próximo de todo mundo. Nas idéias. Nas atitudes. Na visão das coisas. No estilo. Com o tempo, vai selecionando. Vai-se descobrindo. Pegando um estilo. Se particularizando. Individualizando a linguagem. Ainda assim a gente continua a eleger modelos. A afinar-se com. Francimar se aproximou de Machado de Assis. Como digno de imitação. Só pela escolha, pode-se ajuizar a inteligência de Francimar. E tem mais: nutria admiração também pelo estilo de Pascal - gostaria de escrever à Pascal. É verdade: quem não se emociona diante do primeiro texto da gente escrito? Emoção que cresce quando a gente vê o texto da gente publicado. E lido. E elogiado. Porque o texto é como um filho que a gente joga para o mundo. É, amigo, escrever é como uma espécie de parto mental. (Inacreditável: tem gente jogando literalmente o filho, carne de sua carne, para o ai fora. Pelas ruas. Pelas rampas de lixo. Jogando gente. Pelas sarjetas. Pelos quartos de hospital. Num gesto irracional e extremo. A quanto chega o ser humano! É muita desumanidade. É muita falta de Deus. Pergunta-se: não está muita gente contribuindo para gente muita agir assim?)
A gente se angustia para redigir o 1° texto. Para os que vierem depois também. A mãe se sente no paraíso após a dor do parto, agarrada ao recém-nascido. O escritor se vê nas alturas quando o livro cai feito em cima da mesa. Até mesmo um texto pequeno. Com Francimar isso aconteceu. João Gonçalves de Souza, tio, jamais lhe negou encorajamento e incentivo. Valorizava os textos do sobrinho. Nunca lhe anulou a capacitação de escrever. Porque tem gente que mata, no nascedouro, o que a gente consegue escrever. Quantos professores que abafam, no aluno, qualquer tentativa de escrever. Quantos criticos que arrasam os textos iniciais da gente. João Ihe deu coragem para o duro oficio. Jornalistas outros do Rio de Janeiro também lhe trouxeram palavras amigas, deixando-o crescer, livremente, na expressão do mundo e de si mesmo. Não pode ser pecado a inveja que se tem de quem escreve bem. Pelo contrário: ela é uma espécie de gasolina para o escritor. Como a gente gostaria de assinar este ou aquele texto. De haver escrito este ou aquele livro. Você pode chegar lá. Francimar tem um conselho: ler bons autores. Acrescente-se: e escrever. Escrever, todo dia, uma frase pelo menos. Ainda que seja para rasgá-la depois. Também é preciso o domínio da Língua, o que se pode adquirir com leituras. Na há por que agarrar-se à gramatica. O negócio é trabalhar os signos lingüisticos. Arrumar palavras. E ler e ler e escrever. Vicente Francimar de Oliveira é bacharel em Direito. Pela Faculdade Nacional de Direito. É leitor assíduo de obras técnicas. Clóvis Beviláqua, por exemplo. Para ele grande jurista; fraco, contudo, como escritor. Nem sempre a gente guarda o primeiro texto escrito. Assim não é fácil precisar o tempo. O que despertou na gente o desejo de escrever. Francimar não tem presente o que o levou a escrever. Rasgando e escrevendo mais. Primeiro artigo para uma revista - "O Romantismo Europeu e o Americano". Limou. Cortou palavras. Acrescentou. O artigo saiu: alegria grande. Tem ele o seu processo de criação. De composição melhor. Todos têm seu método. Primeiramente pesquisa o assunto. Lê coisas sobre. E é um preocupado com a forma. Com a correção do texto. Com a cadência do texto. Com a eufonia do texto. Com a elegância do estilo, numa busca obsessiva de evitar a cacofonia e as nasalizações repetidas. Em 1995 lançou ao público - "0 Centurião de Cafarnaum". É um ensaio sobre as origens do Cristianismo. Em páginas de jornais e revistas, escreveu textos inúmeros em geral, a respeito de religiões comparadas. Não escreve pela fama. Para ter fama. Não lhe importa o aplauso e a glória. Só quer escrever. Só externar as coisas. Assim, é um forjador de idéias. Descobridor de conhecimentos. Não traz o egoísmo de ter só para si tudo isso: "Escrevo pela necessidade de levar aos outros o que descobri de verdadeiro e o que criei de bom e de salutar". Para ele há verdades que não se podem guardá-las caladas. Trata-se de um escritor de humildade e de partilha. É membro da Sociedade Israelita do Ceará. Sem deixar de ser ele próprio. Com suas concepções de mundo. Das coisas. De religião. Sente-se, por exemplo liberto de medo de indagações. É sócio também do Clube de Xadrez de Fortaleza.
Não freqüenta academias. Tem aversão às rodas literárias. Isto não é importante para o escritor. Com a licença do amigo e conterrâneo, transcrevo trecho da carta que me chegou anexa ao material para a elaboração destas páginas. É um texto rápido de registro de sua humildade e de tópicos de análise de trabalhos seus. É assim: "Grato pela atenção para com este canhestro escritor. Mando-lhe junto á presente missiva três artigos e três poemas. Houve uma frase em minha vida na qual pensei ter pendores para a poesia. Verifico porém que não sou poeta.
"Grato pela atenção para com este canhestro escritor. Mando-lhe, junto à presente missiva, três artigos e três poemas. Houve uma fase em minha vida na qual pensei ter pendores para a poesia. Verifico, porém, que não sou poeta. O poema "As Quatro Pragas", escrito há mais de 30 anos, custou-me horas e horas de trabalho, já agora, nos últimos anos na tentativa de melhorá-lo. Os artigos têm um tom polêmico e algo desagradável para os que têm crenças diferentes da minha. Mas que posso fazer? O que me parece verdadeiro deve ser comunicado de "cima dos telhados".
Carta objetiva a carta de Francimar. Bem sentida. Bem vivida. É verdade: outros podem ter suas idéias e crenças diferentes. Cada um é diferente. Pode pensar diferente. Ver diferente. Reagir diferente. Isso é que faz o mundo forte e bonito. Pode-se conversar sobre o que se pensa. Sobre o que cada um pensa. Estou que não há por que alguém senti-se ofendido porque outrem não pensa como a gente. Você se sente bem porque pensa assim. Então pense assim. É aceitar o outro sem anulação. O que não se deve fazer é ferir-se uns aos outros por causa de um Deus. Por causa de credos e religiões. Polêmica há em tudo. Deve haver em tudo. Tudo é polêmico. Em qualquer credo. A vida é polêmica. Tanto que a gente não sabe o que é a vida. (Muito menos a morte). Em sua solidão essencial, o ser humano é um eterno polêmico. Eterno inquiridor de coisas. Eterno perguntador. E indaga. E questiona. E duvida. E confere. E discorda. E... A leitura dos textos e poemas de Francimar. Será melhor (e muito) do que o que você já conseguiu ler:

O MEDO DO PÓS-MORTE.

Tendo Rachel de Queiroz tratado este tema em recente artigo ( Você tem medo da morte?- Correio Braziliense, 21.01.2001), achei por bem aprofundá-lo, divdindo-o em duas etapas: o medo da morte, sentimento a que todos os seres vivos estão sujeitos, e o medo em relação ao além-túmulo, este sim terrificante para muitas pessoas. Do primeiro ninguém está livre; em verdade, é a outra face do nosso conhecido instinto de conservação. Nenhuma pessoa, no completo uso de suas faculdades mentais, deixará de angustiar-se ante a iminência de morrer atropelado, esfaqueado ou gemendo de dores no leito de um hospital. O que não se deve é confundir este temor, normalíssimo, com o pânico que assalta muita gente à simples cogitação do que virá após a morte. E aí o grau de medo varia em extremo, tendo em vista principalmente a bagagem de crenças religiosas que cada um agrega. Não por acaso, entre as pessoas que Rachel de Queiroz entrevistou, estavam um padre e o procurador da escritora, homem de índole religiosa. Quis saber a escritora por que alguém que acredita na outra vida pode temer a morte. Resposta: "Por isso mesmo, sei lá o que vou ter que pagar". Eis o ponto essencial: os cristãos, em sua grande maioria, temem, acima de tudo, o julgamento que os aguarda logo após a morte, e esse medo os leva a fixar os olhos no seu débito; ficam aturdidos, a ponto de esquecerem o crédito assegurado pelas boas ações. Esse temor se agrava quando se põem a meditar sobre o inferno: é uma verdadeira tortura a que muitos só puderam subtrair-se abandonando a religião. Citemos Betinho e o Jornalista Paulo Francis, já falecidos. O último, lutando em vão contra os resquícios de uma rigida educação religiosa, chegava a confessar:" Não creio em Deus, mas tenho medo do inferno". Também os muçulmanos deparam, a todo momento, as labaredas e o pus fervente nas páginas do Alcorão: é o castigo reservado aos incrédulos. Mas existem centenas de milhões de pessoas em nosso planeta que encaram o pós-morte sob enfoque nada
aterrorizante e, por isso, vivem mais felizes na Terra. Refiro-me aos hinduistas, budistas, espiritas e judeus. As religiões originárias da Índia professam o ciclo de renascimentos, e também os espiritas. Quanto a nós, judeus, desconhecemos o inferno associado a castigos eternos. Acreditamos no guehinom lugar onde se purificam, durante curto espaço de tempo, as almas das pessoas que morreram com pecados. Entre o guehiom judaico e a geena crisã, interpõe-se uma distância infinita. Portanto o credo religioso da pessoa determina o grau do temor em relação ao pós-morte.

SENTIMENTO DE JONAS.

"Então Jonas saiu da cidade, e sentou-se
ao oriente da mesma cidade; e ali
fez para si uma cabana, e debaixo dela
repousava à sombra, até que viesse o
que aconteceria na cidade. "(Jonas, IV, 5)

Em teu despeito, Jonas, tu te afastas
do comércio dos homens da cidade,
e em tua santa e doce ingenuidade
imaginas que és só e que te bastas.

Como um triste casmurro que rumina
Os próprios pensamentos, te perguntas:
"Senhor, tu, que dispersas e que ajuntas,
que espera tua mão que não fulmina?"

Vais, assim, baralhando emn tuas rezas
os desígnios de Deus, que tanto prezas;
se predizes o mal, e se Ele cala,

que te pesa passar por desmentido?
Ou preferes que seja tua fala
A fala de um profeta ressentido?

AS QUATRO PRAGAS.

Escondida em feia toca,
A morte nem dissimula;
num papelote de coca
vai preparando a mistura.

Caveira à mostra, ela passa
a galope em sua mula;
medonha foice sobraça.
E escancara a dentadura!

O mais das vezes - desgraça!
na miséria se encasula:
milhões de pobres abraça
com tenaz de fome dura.

Ou, quando não, numa praça
irmãos contra irmãos açula
e em meio à metralha traça
mil ardis na noite escura.

Vício, peste, fome, guerra,
julgais que a vida se anula
em sete palmos de terra?
- Deus nos restaura a futura!

DEFINIÇÃO DO POEMA.

Segue assim o meu poema:
extroverso e sem sigilo;
é profano e quero ungi-lo
com água benta e sal-gema.

Umas vezes sem estilo,
outras grave, outras sereno,
tem certo sabor heleno
com o qual nem sempre atilo.

Ao compasso de Lereno,
dedilho-0 em minha viola;
mas ele logo se amola
deste tom assim ameno.

Às vezes dele se evola
um acre fumo cismático
tão mesquinho e sorumbático
que eu, pegando-o pela gola,

sem querê-lo ver apático,
vou-lhe mostrando as mulheres:
Já no bar, peço os talheres,
e ei-lo então bem mais simpåtico...

Porque mulheres, talheres,
tudo isto conota fome;
a cada rima seu nome
(bom é o prato que escolheres).

Segue assim o meu poema:
tão profano e sem estilo,
bem que é preciso expungi-lo
com água benta e sal-gema.

IN MEMORIAM.

 -João Gonçalves de Sousa
 -Manoel Gonçalves de Lemos
 -Maria Oliveira Dias

 "Os mortos não envelhecem: ficam na idade em que se  foram".

 "Os mortos continuam na saudade. Falam na voz dos filhos   que deixaram. Ouvem pelo ouvido dos que ficam".

 "A morte é tão somente um sono doce: quando a gente  acorda já está lá".

 "A morte não é nada trágica. É simples e certa. É correta.
 Se a vitima tiver um pouco de calma, pode morrer sem  nenhum sofrimento, apenas um mal-estar suportável".

 "Se a vida é a travessia, a morte é o desembarque. Travessia  é perigo, é emboscada, é solidão; desembarque é alivio, é paz".

TRÊS AMIGOS.

 -João Gonçalves de Sousa
 -Manoel Gonçalves de Lemos
 -Maria Oliveira Dias.

Três amigos que dormiram o sono doce e acordaram lá. Aqui nenhum traço separa (dor). Nem sombra de discriminação. Absolutamente. Só para materializar a distância (eles podem estar tão perto da gente!) em que se encontram. É verdade: há um abismo entre lá e cá. Entre o efêmero e o eterno. Entre a matéria e o espírito. E mais: só para distinguir e enfatizar a homenagem aos conterrâneos que deixaram a gente, que não pode ser adiada para ser prestada lá. Porque lá não há reencontro. Porque lá não há amigo. Porque lá não há conterrâneo. Porque lá não há marido. Porque lá não há irmão. Porque lá não há ministro. Porque lá não há médico.
Porque lá não há professora. Lá, somente luz. Só felicidade, lá. Os três amigos, com certeza, nem precisaram pedir licença para se tornarem felicidade e luz.

Foto de Cícero Lhyma.

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